¿Qué piensan los niños brasileños sobre lo
que aprenden con la televisión?

What do the Brazilian children think about what they learn on tv?

 

Rosalia Duarte
Rita Migliora

Rio de Janeiro (Brasil)

     
             
             
     

RESUMEN

     
     

La televisión no es solo diversión, sino también información y «enseñación». Enseñación es un neologismo que fue adoptado por los niños inspirados en la idea de aprendizaje, que expresa la actividad de la enseñanza. Ésa es la opinión que se escucha entre los niños cuando les preguntamos lo que piensan sobre la televisión.

En Brasil, los niños forman parte del segmento más significativo de televidentes: permanecen delante de la pequeña pantalla por lo menos 3 horas todos los días; ellos son los que se relacionan de manera más intensa con la programación televisiva, ya que el tiempo promedio de permanencia en la escuela es reducido (cerca de 4 horas por día), las actividades culturales y deportivas y las opciones de ocio se restringen, de manera general, a las clases económicamente favorecidas. Además de eso, miles ( tal vez millones) de niños están solos en sus casas durante el día, esperando que sus padres vuelvan del trabajo.

Por esa razón, muchos estudios y debates han sido realizados al respecto de la influencia que la televisión ejerce, o puede ejercer, sobre los pequeños televidentes. Padres, profesores e investigadores han discutido ampliamente lo que la televisión enseña y lo que de hecho los niños aprenden con ella, pues están preocupados en definir la extensión y los límites del llamado «potencial educativo» de ese sector.

Interesado en aproximarse a esa problemática desde el punto de vista del niño, o sea, desde el ángulo del receptor, el Grupo de Investigación en Educación y Comunicación, de la PUC-Rio, elaboró un estudio que tuvo como punto de partida pedirle a los niños que escribiesen textos expresando lo que piensan sobre lo que ven en la TV. Recopilamos algunos centenares de esos trabajos escritos por niños, con edades entre los 9 y los 12 años, de escuelas públicas y particulares, que viven en grandes y pequeñas ciudades de los Estados de Rio de Janeiro, São Paulo y Minas Gerais . Algunos textos fueron enviados individualmente, mientras que otros fueron enviados en conjunto, habiendo sido recopilados por profesores en situación escolar; todos llegaron por correo. El material es rico, denso y extremadamente interesante y su análisis permitió formular algunas hipótesis al respecto de las relaciones que esos niños establecen con la televisión y del modo como ellos lidian con cuestiones más o menos recurrentes en los debates públicos sobre la televisión en la actualidad: violencia, noticieros, novelas, dibujos animados, programas para adultos, entre otras.

Una de las reflexiones más frecuentes de esos niños es con respecto a la concepción que ellos poseen sobre lo que es y sobre lo que no es educativo en la televisión. En su mayoría expresan una visión bastante crítica a ese respecto, fundamentada en argumentos consistentes. Para ellos, la televisión es un ambiente donde se enseñan «cosas» buenas y mala, y donde ellos aprenden no siempre lo que es bueno.

El presente trabajo describe, analiza y trae a colación las consideraciones de los niños, en los textos que nos fueron enviados, al respecto de lo que ellos piensan sobre lo que aprenden en la televisión.


     
      ABSTRACT      
     

This study analyses and discusses the opinions of children contained in the texts and drawings that were forwarded to us regarding what they think about what they learn by watching television. Starting from this material, we formulated certain hypothesis regarding the relationship these children established with the television, and the way they deal with the issues that are more common in the actual debates about television in the current days: violence, TV news, soap operas, cartoons, adult entertainment, among others. 

     
      DESCRIPTORES/KEYWORDS      
     

Aprendizaje, niños televidentes, violencia en la televisión, dibujos animados.
Learning, c hild television audience, violence on television, cartoons.

     
     

«Televisão não é só diversão, é também informação e ensinagem». Ensinagem é um neologismo adotado pelas crianças, inspiradas no conceito de aprendizagem, que expressa a compreensão que elas têm sobre a ação de ensinar. A idéia de que a tevê tem como principal tarefa ensinar coisas às crianças é opinião recorrente entre elas, quando expressam o que pensam sobre o que vêem na tevê.

No Brasil, as crianças compõem o segmento mais significativo de espectadores de televisão: elas permanecem diante da tela da tevê por pelo menos 3 horas, todos os dias; são elas que se relacionam de modo mais intenso com a programação televisiva, pois seu tempo de permanência na escola é reduzido (cerca de 4 horas diárias) e as atividades culturais e esportivas, assim como as opções de lazer são, em geral, restritas às classes economicamente favorecidas; além disso, milhares (talvez milhões) de crianças brasileiras ficam sozinhas em casa durante o dia, aguardando que os pais retornem do trabalho.

Por essa razão, muitos estudos e debates têm sido realizados a respeito da influência que a televisão exerce, ou pode exercer, sobre os espectadores mais jovens. Pais, professores e pesquisadores têm discutido amplamente o que a tevê ensina e o que de fato as crianças aprendem com ela, pois estão preocupados em compreender e determinar a extensão e os limites do chamado «potencial educativo» dessa mídia.

Interessado em participar deste debate, o GRUPEM: Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia, da PUC-Rio, desenvolveu, em 2004, uma pesquisa que buscava aproximar-se do problema pelo ponto de vista das crianças, ou seja, pelo olhar do receptor. O estudo tinha como objetivo descrever e analisar a dinâmica das relações que as crianças estabelecem com a televisão e o modo como a prática de ver tevê se faz presente na configuração de suas identidades e valores. Há algum tempo vimos buscando entender como as crianças dão sentido ao conteúdo de produtos televisivos, como se estruturam seus esquemas de significação, como compreende os valores veiculados nesses produtos e como os articulam aos valores construídos na relação com suas famílias e com outros ambientes sociais dos quais participam.

O interesse pelas relações entre mídia, cotidiano e identidades na América Latina vem consolidando, ao longo dos últimos vinte anos, um campo de estudos de recepção latino-americano, que, assumindo as especificidades das sociedades ao sul do continente americano, busca descrever, analisar e compreender os distintos modos como os receptores se relacionam com o que vêem, ouvem, lêem e o papel desempenhado nesse processo pelas diferentes fontes de mediação. Tais estudos aproximam os conceitos de comunicação e cultura e pensam a recepção como processo ativo e coletivo de produção de significados. As principais referências desse campo são os trabalhos de Jésus Martin-Barbero (2001, 2002, 2003, 2004), Néstor Canclini (2001, 2003), Guillermo Orozco Gomes (1991, 2001) que estão articulados às investigações sobre mídia e cotidiano desenvolvidas no Media@lse — Department of Media and Communications da London School of Economics and Political Science — por Roger Silverstone (1994, 2002) e Sonia Livingstone (2003, 2003b), entre outros.

Para estes autores, os receptores não são indivíduos passivos ou caixas vazias onde são depositados os conteúdos das mídias. Mesmo reconhecendo que alguns poucos grupos detém o monopólio da comunicação no mundo, controlam a circulação de notícias e estabelecem padrões narrativos e estéticos para a produção midiática, afirma-se que a relação dos meios com os receptores não se dá em via de mão única. Mas, sim numa rede da qual os receptores também participam ativamente. Mesmo constrangidos pelo poder discursivo das instituições midiáticas centralizadas, os receptores também são sujeitos do processo de comunicação, pois fazem parte do campo onde são negociados os sentidos do que é produzido e veiculado. A maior parte dos estudiosos de recepção latino-americanos defende a tese de que, além de estudar as operações dos meios, é aconselhável observar, na prática, a capacidade de atuação do receptor, sobretudo para escapar às muitas opiniões que têm sido veiculadas sem qualquer fundamento empírico.

Estes são os pressupostos que orientam os trabalhos desenvolvidos no GRUPEM, inclusive a pesquisa Crianças, televisão e valores morais, a partir da qual foi escrito este artigo.

Neste estudo, a coleta de material empírico junto às crianças foi realizada a partir de um pedido feito a elas para que enviassem ao grupo de pesquisa textos ou desenhos de sua autoria, expressando o que pensam sobre o que vêem na tevê. Este pedido foi feito através de um «spot» veiculado por emissoras de tevê públicas, na Região Sudeste do Brasil. O GRUPEM recebeu pelo correio cerca de 1000 textos e desenhos de crianças com idades entre 9 e 12 anos, moradoras de grandes e pequenas cidades dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Alguns materiais nos foram enviados diretamente por crianças que assistiram ao «spot»; outros foram coletados por professoras que, tendo assistido ao «spot» na televisão, pediram às crianças das escolas em que trabalhavam que elaborassem suas respostas, recolheram-nas e as enviaram a nós.

1. Procedimentos adotados na análise do material empírico

a) Com apoio de um software para análise de variáveis quantificáveis, realizamos um levantamento estatístico, de modo a traçar um perfil mais ou menos geral das crianças participantes da pesquisa (idade, sexo, grau de escolaridade, tipo de escola — pública ou particular — e cidade de origem).

b) Utilizando um software para análise de dados qualitativos, realizamos análises temáticas descritivas dos textos das crianças, elencando temas e definindo categorias que nos permitiram organizar a amplitude de informações contidas nesse material, tais como: opiniões e reflexões das crianças sobre os diferentes canais de tevê e sua programação, sobre seus programas prediletos, violência, o papel da tevê no cotidiano delas, o real e o ficcional, influência da tevê na sociedade, entre outros. Os fragmentos de textos com temáticas afins foram analisados em conjunto, produzindo relatórios parciais que, no final, foram integrados ao relatório técnico da pesquisa.

c) Os desenhos foram digitalizados e disponibilizados em CD para os membros do grupo de pesquisa; foram realizadas descrições dos mesmos articuladas às temáticas que emergiram da análise dos textos.

2. O que as crianças pensam sobre o que elas vêem na tevê: análise dos textos

No que diz respeito ao conjunto das crianças que nos enviaram desenhos e textos: trata-se de 981 crianças; quanto à idade, a maioria delas (60%) tem entre 9 e 11 anos; 46% são meninos e 54%, meninas (em 32% dos desenhos não foi informada a idade); 64% das crianças são oriundas de escolas públicas e 36% de escolas particulares; 60% residem em pequenas cidades e 22% residem nas cidades de São Paulo (4,5%) e Rio de Janeiro (17,5%). Não é possível verificar variáveis sócio-econômicas, pois dados referentes a estes aspectos não fazem parte das informações contidas nos textos.

O material elaborado pelas crianças é muito rico, denso e interessante. Sua análise tem nos permitido formular algumas hipóteses a respeito das relações que elas estabelecem com a televisão e do modo como lidam com as questões recorrentes nos debates públicos sobre televisão: violência, relação entre ficção e realidade, consumo excessivo de produtos televisivos, adequação da programação às faixas etárias, entre outras. Foram realizadas análises temáticas, descritivas dos textos; os resultados foram cruzados com uma interpretação geral dos desenhos, isto é, articulando desenhos e textos que tratavam de uma temática específica, como violência, por exemplo. Nossas análises levam em conta a polissemia intrínseca aos materiais que nos foram enviados pelas crianças. Partimos do princípio que a nossa é uma entre muitas leituras possíveis.

Nesse contexto de investigação, a descrição densa (conforme proposto por Clifford Geertz, 1989) nos permitiu fazer uma interpretação aproximativa dos pressupostos, crenças e valores, inscritos nesses textos, que norteiam as relações que as crianças estabelecem com o que vêem na TV.

As análises dos textos indicam, em linhas gerais, que:

a) as crianças querem muito ser ouvidas sobre o que pensam sobre a tevê: acham que têm muito a dizer sobre o assunto e que gozam de absoluta legitimidade para fazê-lo. «Foi uma boa idéia colocar esse projeto porque eu tenho muito para falar», escreveu uma menina de 12 anos; «adorei esse projeto O que as crianças acham da televisão. E o que eu acho é que sem a tevê eu não vivo e quem criou esse projeto está de parabéns!?», escreve Lucas, um menino de 11 anos que nos enviou sua carta individualmente. Estas foram algumas das muitas observações nesse sentido feitas pelas crianças que nos escreveram;

b) as crianças se queixam, insistentemente, do excesso de imagens de violência «real» exibidas na televisão, imagens que associam diretamente aos telejornais; afirmam que não querem mais ver mortes, assaltos, assassinatos, tragédias, pois cenas desse tipo «fazem as pessoas lembrar de coisas que elas querem esquecer»;

c) elas afirmam, de forma recorrente, que adoram ver tevê e que não se importam com o que os adultos dizem a esse respeito: «A tevê é muito boa, eu adoro a televisão, principalmente, os programas que ela passa para mim. Para os adultos, a televisão é ruim, porque eles acham que se as crianças ficarem assistindo televisão as crianças não aprendem coisas boas e nada da escola. Hoje vou chegar em casa, vou ligar minha televisão e vou assistir. Acabou a minha história» (Camila, 12 anos);

d) elas gostam de quase todos os gêneros de programas veiculados pela tevê: novelas, desenhos animados, programas humorísticos, filmes, seriados, «programas sobre bichos e sobre plantas» e «até programas educativos», mas isso não parece fazer delas espectadores idiotizados, pois fazem críticas muito interessantes, pertinentes e bem elaboradas ao que consideram ruim ou pernicioso ou inadequado;

e) muitas crianças argumentam que sem a tevê não teriam nada para fazer e que vêem tevê apenas «para passar o tempo»; este é um dado bastante preocupante, pois sugere falta de outras opções de lazer entretenimento além de um acesso bastante restrito aos bens culturais em geral;

f) essas crianças analisam a televisão com muita competência, quase como especialistas; demonstram conhecer a tevê também pelo lado de dentro, conhecem as linguagens de que ela se utiliza, sua estrutura de produção, sua lógica interna e modos de intervenção.

Elas discutem com relativa precisão as diferenças e semelhanças entre os diversos canais e programas, tecem considerações pertinentes sobre eles, comparam as grades de programação segundo a qualidade dos produtos exibidos, não necessariamente aqueles que são endereçados a elas, e tecem críticas mais ou menos elaboradas a esse ou àquele produto em especial: o programa X «não é bom porque tem muita baixaria e só ensina o que não serve»; «muitas pessoas não gostam do programa Y, eu gosto, porque mostra as coisas que acontecem no país, na política e nas novelas, criticando».

Identificam com relativa facilidade o endereçamento dos produtos veiculados –a que público eles se destinam, a que faixa etária etc. –e emitem suas opiniões tendo como base essa percepção:«Não gosto do programa X porque é para criancinha pequena; gosto de Y porque é feito para adolescentes» ;«não estou dizendo que Y é um programa produtivo, pois tem muita baixaria, mas também não é ruim, pois nos alerta sobre coisas que irão acontecer nas nossas vidas?»;«gosto de programas sobre artistas e sobre forma, porque sou mulher e as mulheres se interessam por essas coisas».

Percebem claramente a diferença entre novelas e seriados e entre seriados brasileiros e seriados «americanos» (tais como OC, Friends, Kenan e Kell); sabem a diferença entre um seriado «engraçado» e programas «humorísticos»; mencionam a nacionalidade de seus desenhos prediletos (se é japonês, americano ou brasileiro) e não hesitam em dar opiniões sobre a qualidade dos mesmos:«odeio o desenho X, porque é bobo, gosto de Y porque tem aventura e ação e é muito divertido». Algumas crianças chegam a afirmar que certos programas podem ser «educativos», «apesar de serem apenas entreterimento [sic!]?».

Essa «expertise» parece ter sido conquistada, mais do que adquirida em razão da participação em atividades educativas realizadas com este objetivo, pois são poucas e pontuais as ações institucionais destinadas ao que se convencionou chamar de educação para os meios. Em conformidade com estudos recentes realizados no Brasil (Pereira, 2003; Fernandes, 2003 e Salgado, 2005) os textos que recebemos sugerem que os conhecimentos de que as crianças lançam mão para dialogar com a tevê advém, principalmente: a) do convívio diário, prolongado e precoce com a televisão que, articulado a muitas conversas sobre o tema com os pares e com os adultos lhes concede um domínio das linguagens e formatos televisivos; b) do que lêem e ouvem a respeito da televisão — elas comentam nos textos as opiniões dos adultos a esse respeito: «minha avó diz...», «meus pais falam», «os adultos dizem» etc.; c).do uso recorrente e paciente do controle remoto, não para «zapear» (1) , simplesmente, como fazem adolescentes e adultos, mas para escolher o que desejam ver (os textos que recebemos nos informam que elas vêem diferentes canais ao longo do dia e que sabem, exatamente, o horário e o canal em que são exibidos seus programas favoritos); escolher o que desejam ver parece ser uma prática muito valorizada por elas, pelo menos é o que sugere a presença em um número muito significativo dos desenhos enviados a nós, de um grande, colorido e detalhado aparelho de controle remoto ao lado do aparelho de televisão.

2.1. O que a tevê ensina, na opinião das crianças que nos escreveram

Nos textos que nos foram enviados, uma das reflexões muito freqüentemente levantadas pelas crianças diz respeito à concepção que elas têm do que é ensinado pela televisão. A julgar pelo que elas escrevem, o educativo e o deseducativo na programação televisiva são também uma preocupação para elas. Muitas expressam uma visão bastante crítica sobre o assunto: «na televisão brasileira já não passa mais coisas tão educativas»; «A televisão devia ter programas com o objetivo de fazer as pessoas pararem e refletirem, tipo umas brincadeiras fazendo as pessoas aprender»; «a tevê devia parar de mostrar coisas tão 'bobas'»; «podia inventar um programa para dar educação para todas as crianças e para os adultos também». Pode-se argumentar que estas frases reproduzem de forma mais ou menos direta as opiniões dos adultos a respeito do assunto, mas o modo como elas foram formuladas e o contexto em que aparecem — sempre articuladas a uma série de elogios ao que a televisão tem de bom e às muitas sugestões quanto ao que ela deveria ter no futuro — indicam que, mesmo gostando muito de ver o que já existe, essas crianças querem mais da programação televisiva do que aquilo a que têm acesso no momento.

Elas acreditam que não são apenas os canais educativos que têm a prerrogativa de ensinar, que «todos os canais ensinam um pouco», embora esses ensinamentos possam se dar de forma diferente entre uns e outros, no que diz respeito à qualidade e quantidade. Afirmam que nem tudo o que é ensinado é bom, que tem canais e programas que ensinam «muitas coisas que não prestam», que «prejudicam as crianças» e que «não deveriam ser ensinadas»; mas alertam que nem tudo que é ensinado é aprendido. Acham que se pode aprender «coisas boas» com a tevê como «lavar as mãos», «não falar com estranhos», «cuidar das plantas»; que através dela pode-se ter acesso a informações sobre a vida, sobre o mundo, sobre outros lugares e pessoas e também se pode encontrar conteúdos escolares. Afirmam que a televisão também pode ensinar «coisas ruins» como roubar, matar, assassinar, usar drogas, «brigas» e «desobedecer aos pais». Porém, na opinião dessas crianças, a escolha do que se aprende ou não se aprende cabe sempre àquele que vê: «a televisão estimula tanto o crescimento quanto a destruição, você é que escolhe».

Da análise descritiva dos textos emergiram categorias «nativas», pois pertencem ao sistema classificatório adotado pelas próprias crianças, e categorias teóricas, que foram sendo criadas pela equipe de pesquisa para organizar e interpretar o conteúdo dos textos no que dizia respeito a determinados temas. Para descrever com mais precisão o sentido do que essas crianças apresentam como conteúdos positivos da tevê (o lado bom) adotamos três categorias: a) «coisas boas»: classificação utilizada por elas para descrever o que entendem como sendo educativo, agradável, divertido, importante e interessante na programação televisiva; b) coisas práticas: categoria adotada por nós para classificar os saberes descritos por elas que, a nosso ver, dizem respeito à vida prática, ao cotidiano ou ao convívio social; c) conteúdos «educativos»: apontados pelas crianças como o que é intrínseco aos canais e programas reconhecidamente educativos ou que, nos outros canais, ensinam «coisas que as crianças precisam saber» ou «que servem para a escola».

Entre os conteúdos da programação televisiva que as crianças classificam, genericamente, como «coisas boas da televisão» ou «o lado bom da tevê» encontram-se, fundamentalmente, todos os tipos de desenhos animados, os telejornais e os programas «educativos», além de «coisas que você acha muito legais, que nem futebol, judô, andar de ‘skate', jogar tênis»; «preservar a natureza»; «ensinar as crianças pequenas muitas coisas boas como: contar, cantar e ficar esperto do pensamento»; «ensinar conquistas e vitórias do dia-dia»; «fazer chorar e sorrir». Para elas o lado bom da tevê é também que ela «ensina a conviver com as pessoas», «ensina a ajudar as pessoas», «nos faz raciocinar mais rápido» e «nos faz ficar inteligentes». Isto é também o que se pode depreender do desenho abaixo:

Aqui Gabriel, um menino de 12 anos, apresenta, de forma objetiva, o que podemos descrever como: televisão mais cabeça humana é igual à idéia inteligente (o desenho de uma lâmpada é um ícone universal de boas idéias).

Afirmações desse tipo expressam uma crença, mais ou menos comum nos dias atuais, entre um segmento de telespectadores no Brasil, de que o acesso à televisão pode ampliar o potencial intelectual dos seres humanos, concepção que se choca, frontalmente, com a idéia, repisada pela elite intelectual brasileira, de que «televisão emburrece». Mesmo que isto possa estar associado a estratégias adotadas pela própria televisão para mudar as representações de si própria, um confronto de opiniões tão divergentes acerca desse veículo reflete também a grande distância que existe entre intelectuais e setores populares em sociedades onde, ao contrário do que se esperava, a entrada da maioria da população na modernidade se deu mais pela ação das mídias do que pelas mãos dos livros. Para Martin-Barbero (2001), os intelectuais têm uma aversão aos produtos televisivos, classificando-os como uma «incultura». A mídia, segundo esses intelectuais, nos idiotiza, nos rouba a solidão, nos faz não pensar. Discordando dessa postura, o autor afirma que é preciso entender que a televisão «ocupa um lugar estratégico na dinâmica da cultura cotidiana das maiorias, na transformação das sensibilidades, nos modos de construir imaginários e identidades» (2001: 26) e que isso configura uma dinâmica diferente, nem mais nem menos «culta» do que aquelas construídas na relação com outros bens simbólicos.

Além da menção às «coisas boas» que a televisão ensina, identificamos o que classificamos como «coisas boas para a vida prática ou para o convívio social» em frases como as que se seguem: «A televisão é ótima porque ela nos ensina a não falar com estranhos, a não aceitar certas coisas como balas, pirulitos, chocolates, porque podem conter drogas, a não sair sozinha, ir acompanhada com um adulto conhecido etc.»; «a tevê ensina como cuidar dos alimentos, como cuidar das plantas» «que tem que regar as plantas todos os dias»; ensina «coisas sobre venda de carros e acessórios», «coisas que servem para a experiência de algo», «a usar camisinha e não engravidar cedo»; «a televisão tira nossas dúvidas, por isso sabemos que o presidente do Brasil é Lula, que o Governador é Aécio Neves e muito mais», «ela nos informa o que está acontecendo no mundo», «ficamos sabendo das notícias do Brasil e outros países», ajuda a «compreender como é a realidade de outras crianças»; com ela podemos «participar de maneira figurada de tudo o que acontece no mundo».

Como conteúdos educativos da tevê identificamos: «as partes do corpo humano», «preservar a natureza», «muitas coisas de ortografia, história, geografia, ciências», «ensina sobre os bichos, desenhos, lendas», «para as crianças aprenderem mais sobre natureza», programas com «menos violências» «que podem nos ajudar na escola».

Nos textos de que dispomos, as crianças afirmam que todos os canais ensinam, mas reconhecem a especificidade dos canais classificados como «educativos». Acham que estes canais têm a função precípua de ensinar e que fazem isso de forma muito eficiente: «o canal Cultura é para ensinar as crianças» (2) ; «no canal da Cultura, tem muitos desenhos legais que também ensinam as crianças», «Tem canais que não são tão violentos e ensinam, por exemplo: o canal 2» (3) ; «Os canais que me ensinam certas coisas são: Discovery Kids, National Geografic Channel».

Algumas crianças alegam que não gostam da programação dos canais educativos, apesar de reconhecerem a importância do que eles veiculam — «eu sei que é cultura, conhecimentos e tal, mas é sem graça, não retrata bem a realidade atual» afirma uma delas, de forma muito sincera; outra diz que não gosta porque «nesses canais passam desenhos muito infantis».

Entretanto, a maioria de nossos «informantes» critica as emissoras de televisão em geral por não cumprirem de forma séria e competente a tarefa de ensinar às crianças e aos adultos o que eles precisam saber para viver em sociedade: «na televisão há poucas coisas que nos ensinam a viver»; «a televisão não pode ensinar coisas erradas, pois assim, só vai estar piorando na ‘construção' do futuro», «a televisão atinge milhões de pessoas, por isso ela tem que saber que não pode ensinar coisas erradas». A respeito do que a televisão deveria mostrar, uma menina de 11 anos escreveu: faltam «novelas interessantes, coisas que não sejam homens ou mulheres apanhando, mas sim uma família reunida», deveria ter «mais amor em todas as novelas».

2.2. O que as crianças pensam sobre o modo como a tevê ensina e o modo como se aprende com ela

No que diz respeito ao modo como as pessoas aprendem com a televisão, essas crianças apresentam hipóteses bastante interessantes que demonstram sua «expertise» na análise dessa mídia e o quanto estão atentas aos debates que são travados a respeito dela. O conteúdo de alguns dos textos que analisamos indica que boa parte delas acredita que mostrar é o mesmo que ensinar, ou seja, que, independente dos objetivos e do contexto em que certo problema é abordado, quando a televisão mostra está, ao mesmo tempo, incentivando (expressão muito utilizada por elas para tratar dessa questão) os espectadores a imitarem o que está sendo mostrado.

Trata-se de uma concepção que se aproxima muito de certos discursos proferidos sobre a tevê pelos defensores da Teoria dos Efeitos, sobretudo no que diz respeito, por exemplo, às imagens de violência. Pode-se perceber nas frases que se seguem o modo como se expressa nos textos das crianças a crença de que quando a tevê mostra está, necessariamente, ensinando a fazer igual: «na novela tinha um personagem que batia na mulher de raquete porque tinha muito ciúmes dela. Eu acho que isso não dá educação, senão os homens não vão mais respeitar as mulheres» (4); «tem canais que nos ensinam a matar e a não obedecer»; «A violência na televisão nos ensina a matar e assassinar. Como no canal 5, alguns filmes com muita violência, homem batendo em mulher, assassinando e matando»; «na tevê tem muita violência, tem mortes, assaltos, seqüestros, tiroteio e brigas. Assaltam os comércios. Os bancos e as casas. Eles roubam carros, caminhões etc. E ensinam as pessoas a roubar e matar. Incentivam as pessoas a roubar, a cheirar, a matar e beber»; «Eu não gosto de novelas que ensinam fumar, assaltos crimes e etc.».

Entretanto, a grande maioria das crianças que nos escreveu acredita que nem todos os telespectadores «imitam» o que vêem na tevê e que nem todos se deixam influenciar por ela. Na opinião delas, os mais influenciáveis são aqueles que não entendem muito bem o sentido do que é mostrado — «Quando os jornais mostram sobre as drogas, sobre roubos, mesmo em um bom sentindo, eu acho que na mente de algumas pessoas, elas pensam errado, pois elas tiram idéias para fazer o mesmo» ou aqueles que são muito ingênuos, como as crianças pequenas, por exemplo: «uma vez apareceu na televisão um tênis e um homem voando com esse tênis, um menino de 4 anos comprou o tênis e pulou da sacada pensando que o tênis voava; resultado: me parece que ele morreu». Muitas afirmam, com certa convicção, que cabe àquele que assiste ao bom e ao ruim da televisão decidir qual caminho deve seguir.

2.2.1 Aprendendo valores

A maior parte do que as crianças dizem que aprendem com a televisão diz respeito a valores, isto é, a concepções normativas de conduta que elas identificam como conteúdos mais ou menos implícitos de programas que, ao mesmo tempo em que mostram como é «a realidade da vida», orientam-nas a agir em sociedade e «ensinam o que há de bom e de mal no mundo e nas pessoas». Uma criança diz que as novelas incentivam «a rebeldia de filhos contra os pais», ao passo que outra afirma que gosta muito da tv porque «ela nos ensina a ser bons para no futuro ser uma boa pessoa». Um menino diz que aprende com os desenhos a ser honesto e humilde. Para outro menino, a novela «Senhora do Destino ensina as pessoas a lutar para ser alguém na vida e ter justiça». Vários dizem que a televisão «ensina a amar» ou, pelo menos, deveria ensinar.

Diferente de muitos adultos, que costumam ter uma visão negativa dos desenhos animados japoneses, um menino de 10 anos afirma que estes são seus programas favoritos «pois ensinam o certo e o errado».

Para o pedagogo catalão Josep Puig (1998), as mídias atuam como uma entre muitas instâncias de socialização e que nesse aspecto não têm mais nem menos poder de intervenção do que família, escola, igreja, grupo de pares etc, com os quais compartilham a construção dos valores que norteiam a vida nas sociedades contemporâneas. Para este autor, valores são conceitos relativamente abstratos que só se efetivam como referenciais de conduta, como mapa que norteia a vida social quando são problematizados nas experiências vividas pelos sujeitos. Em sociedades audiovisuais como a nossa, a televisão se configura como campo de problematização moral na medida em que coloca em questão, ainda que de forma virtual ou ficcional, valores tradicionais e/ou emergentes e os problematiza nos contextos dramáticos em que são enunciados.

As crianças parecem perceber isso intuitivamente e se posicionam frente às problematizações diante das quais são colocadas pelos programas aos quais assistem. «A televisão tanto ensina como piora», diz uma menina, de 12 anos, de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, «ensina a ter educação, a ter respeito, mas ela piora porque tem violência. A televisão influencia muito a violência. Dentro dos programas tem coisa legal, mas depois passa a violência e assim vai». Para elas, a televisão pode tanto ensinar o certo como o errado, o justo ou o injusto, o bem ou o mal e assim por diante. Mas, assim como nos outros casos, o que aprendemos com ela depende mais das nossas escolhas do que daquilo que ela nos diz para fazer.

3.Considerações finais

Silverstone (1994: 255) afirma que, depois de mais de trinta anos de estudos de recepção, não há dúvidas de que os indivíduos são ativos a respeito do que vêem e ouvem na televisão e que falar em audiência ativa é quase uma redundância. No entanto, adverte que há diferentes níveis de atividade nessa relação, desde aquela em que o individuo chega em casa, tira os sapatos e se senta em frente à tela da tevê, tentando escapar temporariamente dos problemas cotidianos, até reflexões mais elaboradas dos telespectadores sobre o que vêem e sobre as estratégias adotadas pelos produtores para tentar controlar os sentidos que eles atribuem a elas. O autor identifica também nas brincadeiras que as crianças fazem enquanto assistem aos seus programas prediletos sinais de uma teleaudiência criativa, pois acredita que, através da encenação do que vêem na tela, elas elaboram criticamente os sentidos e os conteúdos do que está sendo veiculado. Ele assinala que é preciso problematizar permanentemente o conceito de audiência ativa, em função dos constrangimentos e determinações culturais, políticas e econômicas presentes no texto televisivo.

Os resultados que vimos obtendo sugerem que as crianças que nos escreveram também estão submetidas à lógica da produção televisiva, na medida em que a escolha do que vêem e do que gostam está majoritariamente restrita ao «ranking» do que é mais visto e mais gostado pela audiência infantil no mundo ocidental. Entretanto, ainda assim se pode identificar nos textos, que elas se relacionam com o conteúdo do que vêem de diferentes maneiras, que tanto podem reproduzir padrões de representação construídos pela própria televisão, como podem elaborar reflexões sofisticadas a respeito do conteúdo do que é exibido. Apesar dos constrangimentos impostos pelo sistema centralizado de produção televisiva ao que é endereçado às crianças, estas são capazes de estabelecer diálogos criativos com a programação, analisar criticamente os produtos e, inclusive, sugerir mudanças. A perspicácia das análises de nossos informantes mirins nos indica que é preciso prestar mais atenção ao que esses receptores pensam e dizem sobre o veículo do qual são a audiência mais constante, fiel e significativa.

Os estudiosos da recepção vêm assinalando, há algum tempo, que antes de fazermos afirmações por demais contundentes e sem base empírica, a respeito da ação implacável da tevê sobre espectadores incapazes de resistir ao poder dela, é preciso investigar em que circunstâncias, como, com que mecanismos e através de que processos se dão à atividade da audiência (Silverstone, 1994: 259). Mesmo que não se possa afirmar uma completa autonomia do telespectador em relação ao conteúdo da televisão, pode-se, com certeza supor que não há, do lado de cá da tela, apenas uma massa de modelar na qual se imprimem coisas ou um pobre indivíduo tolo, completamente subjugado pelo poder dos meios. Além das contradições, porosidades e ambigüidades existentes no interior dos próprios meios de comunicação, do lado de cá deles existem sujeitos sociais capazes de dialogar, de forma mais ou menos criativa, com os enunciados que lhe são dirigidos e de refletir, com diferentes graus de criticidade, sobre o conteúdo das mensagens que são ali veiculadas.

     
     
Referencias
     
     

CANCLINI, N. G. (2001): «Definiciones en transición», en MATO, D.: Estudios Latinoamericanos sobre Cultura y Transformaciones Sociales en tiempos de globalización. Buenos Aires, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO); 57-67.
CANCLINI, N. G. (2003): Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo, Universidade de São Paulo.
FERNANDES, A.H. (2003): As mediações na produção de sentidos das crianças sobre os desenhos animados. Rio de Janeiro, Dissertação de mestrado, Departamento de Educação PUC.
GEERTZ, C. (1989): A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, LTC editores.
LIVINGSTONE, S. (2003): «The Changing Nature and Uses of Media Literacy», en Media@LSE Electronic Working Papers 4.
LIVINGSTONE, S. (2003a): «Review of Television, Childhood and the Home: A History of the Making of the Child Television Audience in Britain », en Sociology, nº 54.
MARTIN-BARBERO, J. (2001): Os exercícios do ver. São Paulo, Senac.
MARTIN-BARBERO, J. (2002): La educación desde la comunicación. Buenos Aires, Grupo Editorial Norma.
MARTIN-BARBERO, J. ( 2003): Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, UFRJ.
MARTIN-BARBERO, J. (2004): Ofício de cartógrafo. Travessias latino-americanas de comunicação na cultura. São Paulo, Loyola.
OROZCO GÓMEZ, G. (1991): «La audiencia frente a la pantalla», Una exploración del processo de recepción televisiva, en Diálogos de la Comunicación, 30.
OROZCO GÓMEZ, G. (2001): Televisión, audiencias y educación. Buenos Aires, Grupo Editorial Norma.
PEREIRA, R.M.R. (2004): Nossos comerciais, por favor! Infância, televisão e publicidade. Tese de Doutorado, Departamento de Educação PUC-Rio, Orientador Leandro Konder, www.dbd.puc-rio.br.
PUIG, J. M. (1998): A construção da personalidade moral. São Paulo, Ática.
SALGADO, R. (2005): Ser criança e herói no jogo e na vida: a infância contemporânea entre o brincar e os desenhos animados. Tese de doutorado, Departamento de Psicologia PUC-Rio, orientadora Solange Jobim e Souza, www.dbd.puc-rio.br.
SARLO, B. (1997): Cenas da vida pós-moderna. Rio de Janeiro, UFRJ.
SILVERSTONE, R. (1994): Televisión y vida cotidiana. Buenos Aires, Amorrortu.
SILVERSTONE, R.(2002): Por que estudar a mídia? São Paulo, Loyola.

     
     
______________
     
     

1. A TV Cultura é uma emissora de TV pública, com sede na cidade de São Paulo, cuja programação, essencialmente educativa, é veiculada em canal aberto.

2. TVE Rede Brasil, emissora de TV pública com fins educativos.

3. Vale mencionar que estes personagens foram incluídos na trama da novela Mulheres Apaixonadas (2003 -2004) com o intuito de protagonizar uma campanha educativa que tinha como fim denunciar a violência contra a mulher.

     
     
____________________________________________________________________________
     
     

Rosalia Duarte es la coordinadora del Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia y Rita Migliora es estudiante de máster en educación, en la Pontifícia Universidade Católica / Programa de Pós-Graduação em Educação e n Rio de Janeiro (Brasil) (rosalia@edu.puc-rio.br) (ritaelig@terra.com.br)